Por Tom Coelho
"Por um cravo, perde-se a ferradura, por uma ferradura, um cavalo,e, por um cavalo, o cavaleiro."
(Frei Luis de Granada)
Ambição é uma coisa boa. Ela nos desperta desejos, promove o
comprometimento, estimula a perseverança. Torna-nos mais fortes e nos faz
buscar a superação. Pela ambição conquistamos mais posses e mais poder.
Sentimo-nos mais ricos, mais bonitos e até mais livres. O que a estraga é a
ganância.
Como tudo na vida que desgarra da ponderação do equilíbrio, a ambição
desmedida evolui para a ganância. Nesse estágio, o desejo vira cupidez; o
comprometimento, obsessão; a perseverança, teimosia. As posses denotam
opulência; o poder, prepotência. A liberdade se esvai e renasce como fênix,
enjaulada.
O problema é uma questão de proporção. Na escalada para o progresso, não
sabemos - ou não aceitamos - a hora de parar.
Tome como exemplo o mundo corporativo. Uma empresa lança um produto ou
serviço que é bem aceito pelo mercado. Realiza um lucro considerável e
resolve reinvesti-lo. E, ao prosseguir nesse processo, eleva ainda mais seu
volume de vendas e faturamento. Mas também seus custos. A cada nova rodada,
mais matéria-prima e mais mão de obra são necessárias. Os investimentos em
marketing e infraestrutura, entre outros, são igualmente crescentes.
O que muitas vezes não se observa é que há um determinado momento em que o
processo deve ser interrompido sob pena de se ingressar no que a teoria
econômica chama de "deseconomia de escala". A matemática tem uma imagem
singular para ilustrar isso: o ponto de inflexão. Num gráfico cartesiano, é
o momento em que a curva muda sua concavidade, ou seja, se a linha era
crescente, passa a ser decrescente.
Em suma, isso significa que mais faturamento não representará
indefinidamente mais lucro. Ou seja, trabalha-se mais para ganhar-se menos!
E tudo porque a ambição, antes saudável e responsável pela prosperidade do
negócio, visita o reino da ganância e não aceita o momento de parar quando o
ótimo foi atingido.
Na vida pessoal não é diferente. Defendo a tese de que relacionamentos
amorosos, por exemplo, têm prazo de validade. E me alinho aos votos sagrados
de "até que a morte os separe" juramentados na celebração dos casamentos. O
ponto é: de qual morte estamos falando? As pessoas imaginam tratar-se da
morte física. Prefiro interpretar como a morte do sentimento.
Todo início de relacionamento é mágico. É quando se pratica o jogo da
conquista e da sedução. Nossas ações são orquestradas e as palavras
escolhidas de forma meticulosa. Mostramos o que temos de melhor: nossa vida
é virtuosa, nossos valores são nobres e nossos feitos são admiráveis.
Vestimos as melhores roupas, usamos os mais agradáveis perfumes. A pele tem
viço; o olho, brilho; o sorriso, autenticidade.
Os ambientes por onde circulamos são aconchegantes. A bebida parece sempre
gelada, mesmo que seja um conhaque, e a comida sempre saborosa, mesmo que
não seja consumida.
Tudo isso acontece porque estamos envoltos numa atmosfera de encantamento e
sinergia, embevecidos pela eficiência do diálogo, que corre fácil, posto que
há muito por se falar, anos para se compartilhar. Queremos em um par de
horas nos desnudar, não apenas das roupas, mas de nossa história pessoal,
mostrando quem somos, de onde viemos e para onde queremos ir - e o destino
reserva lugar ao interlocutor, a figura amada, quase inanimada, que nos
sorri.
O processo é o mesmo para homens e mulheres. Diferem as estratégias, as
táticas, mas não os propósitos.
Transcorrida essa etapa consuma-se a conquista. Bocas que se encontram,
braços que se enlaçam, corpos que se aquecem. E então, vive-se o romance que
nutre e cega. O horizonte se retrai.
A estabilidade leva a relação a mares calmos e a ausência de ondas revela o
que antes não se podia enxergar. Descobrimos - e revelamos - que virtudes
carregam consigo defeitos, que amabilidade é temperada com eventual
intolerância e que gentilezas são bonificadas com fleuma.
É nesse momento que se estabelecem os limites entre paixão e amor. É quando
a união amadurece. É quando percebemos que o beijo ardente e o sexo
prazeroso são imprescindíveis, mas não únicos. O diálogo ganha novos temas,
mas não se perde. E notamos, como bem pontuou Gabriel García Márquez, que
amamos quem está conosco não por quem a pessoa é, mas por quem nos tornamos
na presença dela.
Agora, trata-se de manutenção. De conquistar um pouco mais a cada dia. Ou
tudo novamente.
Mas a natureza nos reservou um mundo dual. Dia e noite, quente e frio, yin e
yang. E, não raro, os relacionamentos não apenas se desgastam, mas se
esgotam. Não há mais calor no beijo, os olhares se desviam, os diálogos são
fúteis. Primeiro, a discórdia. Depois, o conflito. Por fim, o confronto.
Transformamos nossas cabeças num cemitério de lembranças e passamos a
cultivar toda ordem de sentimentos negativos. O pacote vem completo, com
mágoas, ressentimentos, infidelidade, desamor e tristeza. Esperamos
resolutamente que um extremo seja alcançado para tomar a decisão da
separação que poderia ter florescido quando ainda havia respeito e admiração
mútuos.
Não sabemos terminar.
* Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em
15 países. É autor de "Sete Vidas - Lições para construir seu equilíbrio
pessoal e profissional", pela editora Saraiva, e coautor de outros quatro
livros. Contatos através do e-mail
tomcoelho@tomcoelho.com.br.
Visite:
www.tomcoelho.com.br
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