A
Paixão de Cada Um
por Tom Coelho
"A
violência, sob qualquer forma que se
manifeste, é um fracasso."
(Jean-Paul
Sartre)
Violento.
Foi esta a palavra que mais encontrei para definir o polêmico
filme
A Paixão de Cristo, produzido e dirigido por Mel Gibson. Pude ouvi-la
pessoalmente
e por diversas vezes, proferida por pessoas de sexo e idade
diferentes.
Coloquei-me, então, a refletir sobre o porquê dessa percepção.
Chuck
Norris, Van Damme e Jet Li golpeiam metade do elenco em seus filmes.
Cenas
formadas por lutas elaboradas, com emprego de técnicas refinadas de
artes
marciais. O protagonista mostra-se superior até a "batalha final"
travada
contra o malfeitor. Nessa disputa, enfrenta dificuldades para
suplantar
o adversário. Apanha, sofre, até que uma gota de seu sangue surge
após
um golpe certeiro desferido pelo oponente. Está aberta a porta para que
o
mocinho se supere, derrotando de forma exemplar as "forças do mal".
Stallone,
Schwarzenegger e Steven Seagal também são bons de briga. Usam
desde
tacos de beisebol até bolas de bilhar e garrafas de bebida para
colocar
os opositores fora de combate. Mas, como se não bastasse, também são
bons
atiradores, resolvendo a questão com metralhadoras, granadas,
lança-chamas
ou apenas uma arma de elevado calibre.
Vejo
também filmes em que catástrofes naturais, extraterrestres, bombas
atômicas
e toda sorte de eventos destroem o planeta. Filmes de guerra e de
combate
ao narcotráfico em que pessoas são amputadas, fuziladas e perdem a
vida
com um disparo na têmpora.
Nada
disso é violento para nós.
Trata-se
de um jogo lúdico, uma catarse. Representa nossos estigmas, um
desejo
inconteste do subconsciente de fazer valer a justiça que não temos,
não
recebemos, não praticamos. E talvez a justiça que não desejamos, não
merecemos,
não engendramos.
O
que torna A Paixão de Cristo violento é o fato de acompanharmos por 126
minutos
o sofrimento e a dor de Jesus e sentir de forma muito presente que
somos
nós mesmos os protagonistas do filme. A cada tapa, a cada chibatada, a
cada
queda, sentimo-nos como se fôssemos nós mesmos a receber tais punições.
É
isso que incomoda a quem assiste a esta película - e onde reside seu maior
mérito.
Não é um personagem qualquer que está sendo castigado. Pouco importa
a
religião de cada um. O fato é que tomamos consciência de nossos pecados,
pequenos
ou obtusos, o que nos permite o reconhecimento como partícipes
dessa
violência recorrente.
Somos
complacentes com a violência desferida a terceiros. Até nos mostramos
apreensivos,
um pouco incomodados, mas o fato é que apenas o constrangimento
impingido
a nós mesmos torna-se objeto de reação.
Sentimo-nos
injustiçados quando preteridos em nossas atividades
profissionais,
mas não temos dificuldades em subjugar ou demitir quem não se
alinha
com nossos interesses. Condenamos práticas públicas espúrias, mas não
hesitamos
em buscar pequenos favorecimentos pessoais. Vestimo-nos de branco
e
rogamos pela paz, mas admitimos a guerra exercida em nome de Deus.
Cada
um tem sua própria Paixão e sua própria cruz por carregar. Estou certo
de
que aquele que acompanhou o calvário de Cristo como retratado no filme
jamais
olhará incólume para um crucifixo a partir de agora, vendo-o como um
mero
ícone apenas.
Só
não estou certo se cada um, dentro de sua crença e de sua fé, superada a
angústia
inicial, será capaz de encontrar o caminho, a verdade e a vida.
*
Tom Coelho é educador, conferencista e escritor com artigos publicados em
17
países. É autor de "Somos Maus Amantes - Reflexões sobre carreira,
liderança
e comportamento" (Flor de Liz, 2011), "Sete Vidas - Lições para
construir
seu equilíbrio pessoal e profissional" (Saraiva, 2008) e coautor
de
outras cinco obras. Contatos através do e-mail
<mailto:tomcoelho@tomcoelho.com.br>
tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite:
<http://www.tomcoelho.com.br/>
www.tomcoelho.com.br e
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www.setevidas.com.br.
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